quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O Operário em construção – Vinícius de Moraes – Homenagem aos Servidores Públicos Municipais de BJI

E o diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o diabo:
Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
Vai-te Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás. (Lucas, cap. V, vs. 5-8)


Era ele que erguia casas, onde só havia chão. Como um pássaro sem asas, ele subia com as casas que brotavam lhe da mão.
Mas tudo desconhecia de sua grande missão; não sabia, por exemplo que a casa de um homem é um templo, um templo sem religião, como tampouco sabia que a casa que ele fazia sendo a sua liberdade era sua escravidão.
De fato, como podia um operário em construção compreender por que um tijolo valia mais que um pão?
Tijolos ele empilhava com pá, cimento e esquadria, quanto ao pão, ele comia...
Mas fosse comer tijolo! E assim o operário ia com suor e com cimento erguendo uma casa aqui, adiante um apartamento, além uma igreja, á frente um quartel e uma prisão: Prisão de que sofreria, não fosse eventualmente um operário em construção.
Mas ele desconhecia esse fato extraordinário: Que o operário faz a coisa e a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa – garrafa, prato, facão – era ele mesmo que os fazia
Ele um humilde operário, um operário em construção. Olhou em torno: gamela, banco, enxerga, caldeirão, vidro, parede, janela, casa, cidade, nação!
Tudo, tudo que existia era ele quem fazia, ele, um humilde operário, um operário que sabia exercer a profissão
Ah, homens de pensamento, não sabereis nunca o quanto aquele humilde operário soube naquele momento.
Naquela casa vazia, que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que sequer suspeitava
O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, de operário em construção
E olhando bem prá ela, teve um segundo a impressão de que havia no mundo coisa que fosse mais bela
Foi dentro da compreensão desse instante solitário, que tal sua construção cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo, em largo e no coração, e como tudo cresce, ele não cresceu em vão
Pois além do que ele sabia – exercer a profissão – o operário adquiriu uma nova dimensão: A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu que a todos admirava: o que o operário dizia, outro operário escutava
E foi assim que o operário do edifício em construção que sempre dizia Sim começou a dizer Não.
E aprendeu a notar coisas a que não dava atenção: Notou que sua marmita era o prato do patrão
Que sua cerveja preta era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte, era o terno do patrão
Que o casebre onde morava, era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos, eram as rodas do carro do patrão
Que a dureza de seu dia, era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga, era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte na sua resolução.
Como era de se esperar, as bocas da delação começaram a dizer coisas aos ouvidos do patrão.

Esse poema é dedicado em solidariedade aos Servidores Públicos Municipais de Bom Jesus do Itabapoana-RJ. Que sofrem como o massacre salarial do governo carrasco que tanto dilapida nosso patrimônio maior, Nosso Servidores.